domingo

2666, Roberto Bolaño

é um grande romance (? sim romance, por que não?) sobre o tempo e a imortalidade. porque se bolaño não tivesse de morrer e continuasse a escrever sempre o 2666 todas as suas histórias que se apresentam descentradas (pela ausência da marca narrativa, pelos saltos espaço-temporais da narrativa mais ou menos aleatórios) começariam a convergir. tendo parado onde parou, 2666 tem a extensão necessária para expor eloquentemente que a tendência da história é para a convergência, para a unidade cósmica, para a lógica do sentido (ou sentido da lógica), e que essa tendência se pode manifestar de duas formas diferentes: pelo caminho de uma voz que une (as pontas da história entre si) ou pelas dispersões que o contar da história pode fazer, construindo uma perspectiva multifacetada.
isto é, bolaño podia ter feito uso de uma linha narrativa ou de um narrador que justificasse os rumos que fossem sendo tomados. ou podia ter continuado sem nunca parar, passando por tantas biografias, que acabaria por se encontrar com o assassino ou os assassinos de santa teresa.

o facto de ter conseguido uma estrutura com um "centro obscuro", que ignacio echevarría apresenta como palavras do próprio bolaño, ou sem centro, porque tem pelo menos dois elementos a que se poderia chamar centro (os crimes e archimboldi), leva a que a discussão sobre o livro se interesse menos pelos factos narrados do que pela estrutura. muitas vezes este facto (do descentralizar-se da roupa da narrativa para em vez disso espreitar o corpo) dá-se por um desejo do próprio leitor, de ver como acontecem as coisas nos bastidores, de ver como trocam de roupa os que de seguida dão corpo à história, de ouvir as indicações cénicas do autor, ... Em 2666, isso acaba por estar tão em cena como tudo o resto.

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