quinta-feira

Um Amor de Perdição

Na última quinta-feira comecei por perguntar o que restava do romance e acabei por não lhe dar uma resposta. Respondo hoje, depois de ter visto Um Amor de Perdição de Manuel Barroso. E é já esta a segunda vez que o cinema aparece voluntariamente em meu auxílio. Numa era altamente interdisciplinar, estes cruzamentos nada têm de estranho, literatura no cinema nunca foi novidade. Um Amor de Perdição trata-se - nas palavras do próprio cineasta – de uma adaptação livre. Os meus problemas começam logo aqui, pois não me parece muito livre. A novela de Camilo Castelo Branco é adaptada à contemporaneidade, o que a transforma drasticamente, mas não mais do que em termos plásticos. O drama foi competentemente transplantado para o filme, que se mantém fiel ao espírito agonístico (submissão-insubmissão), aos personagens apaixonados, ao enredo trágico do livro.
Contudo, se estas premissas não se mantivessem intactas, o que restaria de O Amor de Perdição em Um Amor de Perdição?
Parece-me que estou a levantar mais uma questão para a qual não vou encontrar resposta, no entanto, ela lança mais umas achas ao romance.
O filme é tão fiel à linearidade narrativa como a novela; ambos adoptam o modelo aristotélico causa-efeito, sequência-consequência, acção-reacção, sob os princípios da unidade, da economia e da verosimilhança. Modelo clássico que as épocas não rejeitam e que as tendências e as inovações não destroem; é uma espécie de vestido preto da literatura.
E como aos vestidos pretos nas galas se tenta evadir, por não causar sensação de novidade, alternativas ao romance tradicional se vão procurando. Frequentemente a posteridade fixa essas formas romanescas de fuga à época em que se materializaram e por vezes elas são reabilitadas por novos autores, deixando intacto o arquétipo. Sempre intacto o arquétipo.